A Revolução de Ser Menos A cultura do “mais” e o vazio que ela gera
- Alessandra Aragão

- 9 de out.
- 4 min de leitura

Abrimos as redes sociais e somos inundados por tutoriais de como ser mais produtivos, mais felizes, mais focados. É como se houvesse sempre algo em falta, um desempenho a melhorar, uma vida a otimizar. Mas quem nos ensina a ser apenas humanos: falhos, cansados, vulneráveis e sem culpa?
Talvez isso não gere tanto engajamento, mas certamente traria mais verdade.
Pesquisas mostram que o excesso de tempo nas redes impacta nossa saúde mental e física. No Brasil, a média de uso diário ultrapassa nove horas de conexão, grande parte pelo celular. Esse consumo não se resume a entretenimento: gera comparações, baixa autoestima, sedentarismo, privação de sono e ansiedade. Quantas vezes você já foi dormir mais tarde do que deveria porque ficou rolando a tela, sem perceber o tempo passar?
O impacto invisível da hiper conexão
Estudos realizados em Salvador revelaram que o uso excessivo das redes entre adolescentes está relacionado a quadros de depressão e improdutividade. Outros levantamentos apontam a chamada “neurose de ansiedade digital”, em que a dependência constante do celular provoca estresse crônico, prejudicando o sono, os relacionamentos e a concentração.
Soma-se a isso o fenômeno conhecido como FOMO (Fear of Missing Out), o medo de estar perdendo algo.
Essa sensação nos mantém presos às telas, mesmo quando estamos exaustos e sem presença real no momento que vivemos.
Não é curioso que plataformas criadas para aproximar também sejam fontes de afastamento de nós mesmos?
A ilusão do 10 em tudo
E, no entanto, seguimos nesse ciclo de expectativa e frustração. De um lado, promessas de fórmulas mágicas para a felicidade; do outro, culpa por não corresponder ao padrão de alta performance. Quantas vezes você já se pegou pensando: “não rendi o suficiente hoje”? Ou forçou um sorriso numa foto quando só queria descansar?
Esse padrão também aparece no consultório, especialmente durante o exercício da Roda da Vida. O cliente avalia doze áreas e dá notas de 0 a 10. É comum alguém colocar 8 ou 9 e dizer: “pode melhorar, o ideal é ter 10 em tudo.” Mas como é possível ter 10 em todas as áreas? Isso não é humano. A busca por perfeição é uma das maiores fontes de exaustão emocional.
O convite para ser menos
Talvez a verdadeira revolução digital não esteja em ensinar sempre a ser mais, mas em permitir que se fale do menos. Que alguém possa escrever: “Hoje não fiz nada e tudo bem.” Ou: “Estou cansada, chorei, e amanhã tento de novo.”
Suspeito que essas postagens não viralizem, mas são elas que criam pontes de identificação com o real.
No fundo, não precisamos de tantos tutoriais para viver; precisamos de permissão para existir como somos.
Quando nos libertamos da exigência de performar até a alegria, abrimos espaço para o encontro com o que nos faz genuínos. Isso não significa negar conquistas ou metas, mas reconhecer que também somos feitos de falhas e limites. E que nessas brechas mora a compaixão: a nossa por nós mesmos e a dos outros por nós.
O valor do impefeito
Quando nos libertamos da exigência de performar até a alegria, abrimos espaço para o encontro com o que nos faz genuínos. Isso não significa negar conquistas ou metas, mas reconhecer que também somos feitos de falhas e limites. E que nessas brechas mora a compaixão: a nossa por nós mesmos e a dos outros por nós.
Talvez seja por isso que Sócrates, há mais de dois mil anos, tenha repetido a máxima de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo.” E eu acrescentaria: e serás livre. A liberdade não está em seguir fórmulas prontas, mas em reconhecer nossa verdade interior, nossas forças e fragilidades.
Esse olhar também se reflete nos estudos de Brené Brown, que ao pesquisar a vulnerabilidade mostrou que é justamente nela que reside nossa maior força. Somos fortes não porque escondemos nossas dores, mas porque temos coragem de reconhecê-las.
E Dag Hammarskjöld, prêmio Nobel da Paz, nos lembra com simplicidade e profundidade: “A imperfeição é a condição para a compaixão.” É justamente porque falhamos que conseguimos nos conectar ao outro com empatia. Se fôssemos perfeitos, não precisaríamos uns dos outros.
O que realmente importa
A pergunta que fica não é como ser mais produtivo ou mais feliz, mas como ser inteiro. Como aceitar que a vida não cabe em métricas de engajamento, que não há algoritmo capaz de medir o valor de um abraço, de uma pausa ou de uma lágrima.
A felicidade, afinal, não está nos passos prontos, mas na capacidade de nos reconhecermos humanos: imperfeitos, vulneráveis e, ainda assim, profundamente vivos.
Ser inteiro talvez seja isso: permitir-se sentir, falhar, recomeçar. Não se trata de desistir do melhor, mas de abandonar a ilusão de que o melhor é sempre mais. Porque, às vezes, a verdadeira revolução não está em adicionar, mas em ser menos, com menos pressa, menos cobrança e menos máscara, para ser mais presença, mais verdade e mais compaixão.
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